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Imobiliárias

Disparada do IGP-M: conheça alternativas para indexar os reajustes

Tradicional balizador do reajuste do aluguel, o IGP-M bate recorde atrás de recorde. Em abril, o indicador calculado pela Fundação Getulio Vargas atingiu 32,2% no acumulado do ano, o maior patamar desde a criação do Plano Real, em 1994. Para as imobiliárias de locação, o reflexo deste rali iniciado em meados de 2020 tem sido uma avalanche de pedidos de redução do índice estipulado em contrato. 

O grande volume de negociações tem causado sobrecarga nas equipes das imobiliárias, que precisaram criar estratégias para atender às duas pontas, como inserir canais de atendimento remoto em seus sites e organizar comunicados aos proprietários, orientando-os a flexibilizar o reajuste. Soluções adotadas desde as pequenas imobiliárias até unicórnios como o QuintoAndar.

A missão coloca à prova a própria atribuição das imobiliárias como intermediadoras da relação proprietário/inquilino. Isso porque o IPCA, índice oficial da inflação (que fechou em 6,76% em abril no acumulado de 12 meses), amplamente adotado como parâmetro para os ajustes após a disparada do IGP-M, também não é uma referência precisa. O índice oficial de inflação, calculado pelo IBGE, leva em conta uma ampla cesta de bens de consumo e itens como saúde e educação e não reflete com exatidão as flutuações do mercado imobiliário.

E o próprio IGP-M, criado no final de década de 1940 e adotado há algumas décadas pelo mercado imobiliário para indexar o reajuste do aluguel, considera os custos da construção, mas também é calculado com base em diversas variáveis.

Em meio ao impasse de indicadores, surge espaço para que novos índices se apresentem como alternativa. O Índice FipeZap de Preços de Imóveis Anunciados, calculado desde 2010 através de uma parceria entre a Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, ligada à USP) o portal Zap+ (hoje integrante do grupo OLX), acompanha a evolução dos preços do mercado imobiliário com base em uma grande base de anúncios de venda e locação. Após tratamento estatístico, o FipeZAP calcula os preços representativos de cada uma das 25 cidades contempladas, mostrando um panorama específico da região.

O Imobi Report conversou com Danilo Igliori, economista do DataZAP, braço de inteligência imobiliária do ZAP+, que comentou as discrepâncias dos atuais índices de inflação e falou sobre as alternativas oferecidas ao mercado imobiliário. Confira:

Imobi Report: A grande maioria das imobiliárias abandonou o IGP-M como referência para o reajuste do aluguel e têm usado o IPCA, que é calculado com peso maior em itens de consumo, saúde e educação. Nestes momentos em que o IGP-M perde o valor de referência, o IPCA é um parâmetro confiável para corrigir o aluguel? 

Danilo Igliori: Acho que estamos substituindo um problema por outro. Tanto o IGP quanto o IPCA são índices de inflação que levam em conta uma cesta ampla de produtos. O IGP está muito pior nesse momento para os locatários, por situações específicas em relação ao câmbio e às commodities, que aumentaram muito de preço. Então há uma tentação natural de substituí-lo pelo IPCA, que é o índice oficial da política monetária, porque ele está muito mais baixo nesse momento. Mas o problema original que acomete os dois índices é semelhante. 

O IPCA olha para uma cesta ampla de bens de consumo e muito frequentemente não é tão respaldado nos movimentos do mercado imobiliário. Então eu não recomendaria como solução ótima mudar de um índice que tem uma cesta ampla de produtos para outro que também tem uma cesta ampla, embora menor. O ideal é a gente trabalhar com um índice focado nas condições de oferta e demanda do mercado imobiliário e particularmente de locação. Temos há bastante tempo o índice FipeZAP de locação, calculado para muitas cidades, que poderia servir como uma referência muito mais adequada para esses reajustes. 

Imobi Report: O IGP-M não foi criado para balizar os reajustes do aluguel, mas acabou sendo adotado pelo setor há algumas décadas. Ele poderá em algum momento voltar a ser referência para o mercado imobiliário? 

Danilo Igliori: É difícil dizer como o mercado vai se comportar daqui para frente. Se seguirmos em direção ao amadurecimento do mercado, a minha aposta seria que teremos uma flexibilidade de uso de indexadores. Falo isso com base no que vem acontecendo com os contratos de financiamento. A própria Caixa Econômica Federal puxou essa tendência e ofereceu alternativas para o tomador. E aí obviamente há um reflexo no valor da parcela. Creio que a mesma coisa deve acontecer com os contratos de locação. Alguns talvez estejam confortáveis em botar o IGP como indexador, outros vão preferir o IPCA. Vai depender dos riscos a que cada um estará exposto. A tendência natural é cada vez mais o mercado buscar um índice que reflita as suas próprias condições de oferta e demanda, que seria o mais justo para as duas pontas do mercado, locatário e locador. 

No momento temos dois grandes índices: o FipeZAP, que cada vez mais considera uma base muito ampla de anúncios de locação; e você tem o próprio componente de aluguel do IPCA, que pode ser uma alternativa mais interessante para indexar contratos. E é muito provável que outros índices alternativos irão surgir com foco no mercado imobiliário, ou mais especificamente ainda, no contrato de aluguel. 

É muito importante salientar que a ponta locadora também precisa ser olhada, porque para o mercado funcionar bem a indexação tem que ser só uma correção de inflação, ela não pode gerar ganhos ou perdas para nenhum dos lados. Senão você está aumentando a incerteza nesse mercado e no fundo vai prejudicar a boa dinâmica dele. A função do indexador é preservar a relação de equilíbrio entre oferta e demanda. Quanto mais próximo a gente estiver dessa realidade, melhor. 

Imobi Report: O FipeZAP capta diretamente a variação dos aluguéis anunciados, o que é muito positivo, mas em contrapartida temos no Brasil um mercado extremamente pulverizado e com diferenças regionais gritantes. Como construir um índice nacional que reflita todas essas nuances?

Danilo Igliori: O índice nacional vai ser sempre uma média, e portanto todas as regiões que se desviarem dessa média serão corrigidas por algo que não representa o mercado local. Para você ter uma ideia, no índice FipeZAP de locação de março de 2021, o IPCA estava rodando a 2%, o IGP-M a 8%, enquanto o FipeZAP estava 0,47% nacionalmente. Aí você olha para algumas cidades: São Paulo estava caindo 1%, Rio de Janeiro subindo 1,5%, Salvador subindo 3% e Curitiba subindo 3,7% no acumulado do ano, de janeiro a março.

O ideal é termos o índice regionalizado, que é o que oferecemos hoje. Não temos para todos os 5.500 municípios [do país], mas temos para todas as capitais e para muitas cidades médias. O ponto é esse: quanto mais representativo da realidade do imóvel particular for o indexador, melhor. Não conseguimos ter um indexador imóvel a imóvel, mas pelo menos um indexador para a cidade seria muito desejável, e é esse o nosso esforço.

Imobi Report: O mercado imobiliário, de forma geral, tem sido bastante crítico ao projeto de lei que tramita em regime de urgência na Câmara dos Deputados, proposto pelo deputado Vinícius Carvalho (Republicanos-SP), que pretende fixar o IPCA como o teto máximo de reajuste de aluguéis. Qual sua visão sobre a matéria?

Danilo Igliori: Eu também sou bastante crítico. Esse é o tipo de iniciativa que tenta dar uma solução supostamente fácil para um problema complexo, que é manter a capacidade das pessoas de alugarem suas moradias a um preço não proibitivo. Primeiro, não vai resolver o problema porque o IPCA pode voltar a subir e isso gerar pressões em cima dos locatários. Ele pode subir mais do que o mercado de aluguel – aliás, neste momento está acima quando você compara com o FipeZAP em muitas cidades. 

Em segundo lugar, você introduz distorções no mercado. O controle de preços de uma forma geral só deve ser feito em último caso, quando se identifica uma falha de mercado muito clara que esteja gerando preços mais altos do que o socialmente ideal. Eu acho muito difícil você botar a culpa nos indexadores para que isso aconteça no mercado de locação. Se o Congresso está preocupado com moradia, como deveria estar, as soluções deveriam ser mais amplas, no sentido de ampliar a oferta de moradias populares em locais adequados e, de outro lado, preservar o poder de compra e renda dos trabalhadores. Ficar tentando controlar o preço de aluguel não vai resolver nada. 

E se por algum motivo o IPCA se mostrar uma fonte de perdas para a ponta locadora, vai deixar de ser interessante você ter imóveis para alugar e vai diminuir a oferta e o preço vai subir. Mesmo que você não consiga reajustar, os contratos vão inicialmente envolver aluguéis mais caros. E ainda haverá um incentivo para a quebra de contrato, o que tipicamente traz fricções e ineficiências ao mercado. 

Gostou deste texto e procura mais informações sobre o tema? Na edição desta semana do Imobi Aluguel, relatório semanal do Imobi Report específico sobre o mercado de locação, trazemos como algumas imobiliárias do país se organizaram para mediar as renovações de contrato de aluguel diante da disparada do IGP-M.

Mostramos os percentuais adotados e as estratégias usadas por empresas de diversos portes, nichos e regiões para não sobrecarregar as equipes de atendimento e evitar rescisões contratuais. Clique aqui para conhecer o Imobi Aluguel.